Descubra como a exclusão de sócio por falta grave em sociedades limitadas pode preservar negócios. Este artigo explora os critérios que fundamentam a exclusão de sócio, detalhando procedimentos legais, deveres dos sócios e exemplos claros de condutas consideradas graves. Entenda os direitos do sócio excluído e os limites desta medida excepcional para preservar a sociedade.
· Introdução
· Modalidades de Exclusão de Sócio por Falta Grave: Judicial e Extrajudicial
· Requisitos e Procedimentos Legais
· Deveres dos Sócios e Gravidade da Falta
· Jurisprudência
· Direitos do Sócio Excluído
· Limites e Finalidades para Exclusão de Sócio
Introdução
A exclusão de sócio por falta grave em sociedades limitadas é uma medida extrema, utilizada para remover um membro do quadro societário quando ocorre um comportamento grave e que comprometa, ainda que potencialmente, a continuidade dos negócios.
Considere, por exemplo, que um dos sócios esteja utilizando o patrimônio da sociedade para pagamento de despesas pessoais, desrespeitando a separação decorrente da personalidade jurídica constituída. Ainda, que um dos sócios esteja trabalhando em uma empresa concorrente, que atue no mesmo ramo da sociedade que integra como sócio, de forma a caracterizar ato de concorrência desleal.
Estes comportamentos danosos do sócio, caso sejam tolerados pelos demais sócios, poderão levar à ruína da sociedade.
Nas hipóteses citadas, o remédio para manter a continuidade dos negócios poderá ser a retirada forçada do quadro societário daquele sócio que tenha cometido a falta grave.
Apesar do rompimento do vínculo societário com o sócio faltoso, a sociedade continuará existindo com os sócios remanescentes. É o que chamamos de dissolução parcial da sociedade. Há outras hipóteses de dissolução parcial das sociedades limitadas na legislação brasileira, por exemplo quando um dos sócios opta por retirar-se da sociedade.
Neste artigo analisaremos a retirada forçada do quadro societário daquele sócio que tenha cometido uma falta grave.
Modalidades de Exclusão de Sócio por Falta Grave: Judicial e Extrajudicial
Existem duas formas de exclusão de sócio por falta grave: judicialmente ou extrajudicialmente.
A exclusão de sócio judicial ou por arbitragem, caso haja convenção de arbitragem, nas sociedades limitadas por falta grave é admitida por iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações (art. 1.030 do Código Civil).
A exclusão extrajudicial é admitida mediante alteração do contrato social, desde que no contrato social esteja prevista a exclusão de sócio por justa causa, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão colocando em risco a continuidade da empresa por atos de inegável gravidade (art. 1.085 do Código Civil).
Interpretamos que não há distinção entre a falta grave no cumprimento das obrigações do sócio, que autoriza a exclusão judicial (CC, art. 1.030) e a prática de atos de inegável gravidade que coloquem em risco a continuidade da empresa (CC, art. 1.085)[1], que autoriza a exclusão extrajudicial, ainda que a exclusão do sócio faltoso percorra diferentes caminhos, desde que estejam presentes os pressupostos materiais e os procedimentais previstos em lei para cada uma das modalidades.
Requisitos e Procedimentos Legais
Independentemente do método escolhido, ambos requerem o cumprimento de requisitos legais e procedimentos específicos. Na exclusão judicial, por exemplo, é crucial a deliberação da maioria dos demais sócios, desconsiderando as quotas do sócio alvo[2], o que possibilita, inclusive, a exclusão por falta grave do sócio que detenha participação majoritária.
A exclusão extrajudicial exige a deliberação de sócios que representem a maioria do capital social, o que possibilitará a exclusão de sócio com participação minoritária, desde que esta possibilidade esteja expressamente prevista no contrato social.
Pela interpretação literal dos dispositivos legais referidos, extrai-se que a preocupação do legislador com a preservação da sociedade supera os conceitos de maioria e minoria. A prática de atos de inegável gravidade e que contrastem com o fim para o qual a sociedade foi constituída é a questão fundamental para a exclusão de sócio por justa causa.
Deveres dos Sócios e Gravidade da Falta
A base para a exclusão de sócio em análise está na prática de atos de extrema gravidade que coloquem em risco o propósito da sociedade. Contudo, o conceito de falta grave é amplo e subjetivo, indo além da simples quebra da affectio societatis.
A quebra da affectio societatis, entendida, grosso modo, como a perda da vontade ou da intenção de associar-se — ou de manter-se associado — a alguém para constituir uma sociedade, por si só, não é motivo suficiente para excluir o sócio, como reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.[3]
Não obstante, quais fatos caracterizam a falta grave que autoriza a exclusão de sócio? Quais os atos ou as omissões do sócio seriam suficientemente graves para amparar a deliberação dos demais sócios de excluí-lo da sociedade limitada pluripessoal?
Haveria um standard de conduta dos sócios das sociedades limitadas?
De início, destacamos que esta falta deverá relacionar-se com a posição jurídica de sócio e ser grave o bastante para impactar a continuidade dos negócios, ainda que potencialmente, ou seja, mesmo que o dano não tenha se concretizado.
Trata-se de conduta comissiva ou omissiva do sócio que é contrária à finalidade para a qual a sociedade foi constituída, e que representa uma ruptura dos deveres dos sócios.
Diogo Merten Cruz[4] entende que os principais deveres atribuídos aos sócios são (a) o dever de integralizar o capital social; (b) o dever de lealdade para com a sociedade; e (c) o dever de colaborar para o alcance do fim social.
Por dever geral de lealdade, o sócio deve colaborar ativamente para os assuntos da sociedade na extensão prometida, devendo zelar pelo interesse social e abdicar-se de tudo que possa prejudicá-lo[5]. O dever de colaboração deve ser observado pelos sócios que voluntariamente assumem, de forma expressa ou tácita, o compromisso de atuar nas atividades destinadas a buscar o fim social[6], o que é frequentemente observado nas sociedades limitadas brasileiras.
A quebra dos deveres de lealdade ou de colaboração pelo cometimento de falta grave pelo sócio, de acordo com o contexto da sociedade na qual este sócio está inserido, autoriza a exclusão de sócio pelo cometimento de falta grave.
Jurisprudência
A partir da análise de decisões judiciais dos tribunais brasileiros, que devem ser interpretadas conforme as particularidades de cada sociedade, podemos exemplificar algumas condutas que o Poder Judiciário considerou como falta grave para exclusão de sócio:
- utilização do patrimônio social para o pagamento de despesas pessoais do sócio, em desrespeito à separação decorrente da personalidade jurídica constituída[7];
- trabalhar em outra empresa no mesmo ramo da sociedade da qual faz parte, o que caracteriza ato de concorrência desleal[8];
- infringir os deveres de cooperação e de lealdade a que os sócios estão obrigados[9];
- praticar atos estranhos aos interesses sociais e de desvio patrimonial, que coloquem em risco a integridade da pessoa jurídica para obtenção de crédito no mercado[10];
- ato de gestão temerária, consistente no abandono da sociedade, que é incompatível com a lealdade e a probidade esperadas de um sócio[11];
- obstaculizar sobremaneira a operação e o dia-a-dia da sociedade e agir de modo a inviabilizar o negócio, buscando sua dissolução total, portando-se de forma incompatível com a condição de sócio [12];
- deixar o sócio administrador de prestar as contas justificadas previstas no contrato social, o que vai além da quebra da affectio societatis, porque coloca em risco a manutenção da sociedade por não informar adequadamente a destinação do capital da sociedade[13].
Os exemplos acima retratam situações reais e que foram submetidas ao crivo do Poder Judiciário. No entanto, para constatar-se a viabilidade da exclusão de sócio por falta grave, é imprescindível que a análise da gravidade da falta cometida pelo sócio leve em consideração o contexto de cada sociedade.
Direitos do Sócio Excluído
Independentemente das causas que motivaram a exclusão, o sócio excluído terá direito, dentre outros, ao valor equivalente à participação societária que detiver na sociedade, que deve ser calculado nos termos do contrato social ou, no silêncio deste, com base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado (art. 1.031 do Código Civil).
Chamamos de “haveres” esta compensação financeira que o sócio tem direito pela participação que detém na socieadade. Adicionalmente, a sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar (art. 602 do Código de Processo Civil), se a sociedade sofrer danos ou prejuízos como decorrência da conduta do sócio faltoso.
Limites e Finalidades para Exclusão de Sócio
A exclusão de sócio é uma medida excepcional para preservar a sociedade, não sendo uma solução para desavenças pessoais entre os sócios. É fundamental que os sócios estabeleçam mecanismos contratuais para prevenir conflitos societários e evitar disputas judiciais, dentre os quais citamos os acordos de sócios e a inclusão de cláusulas específicas para resolução de conflitos nos contratos sociais.
[1] Neste sentido, Marcelo Vieira von Adamek: “Dito o mesmo de outra forma, não existe diferença semântica ou valorativa entre “falta grave no cumprimento de suas obrigações” (CC, art. 1.030) e “atos de inegável gravidade que possam colocar em risco a continuidade da empresa” (CC, art. 1.085); em ambos os preceitos, o legislador mirou uma mesma realidade, em que pese a distinta forma de expressão vernacular empregada na redação dos artigos” In: ADAMEK, Marcelo Vieira von. “Anotações sobre a exclusão de sócios por falta grave no regime do Código Civil”, ‘in’ Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. 158, pp. 111-134, 2011.
[2] Este entendimento está em sintonia com a regra prevista no §2º do art. 1.074 do Código Civil, que impossibilita o voto do sócio nas matérias que lhe digam respeito diretamente.
[3] CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. EXCLUSÃO DE SÓCIO. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. INSUFICIÊNCIA. (…) 5. Para exclusão judicial de sócio, não basta a alegação de quebra da affectio societatis, mas a demonstração de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra. (REsp n. 1.129.222/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/6/2011, DJe de 1/8/2011).
[4] CRUZ, Diogo Merten. Exclusão extrajudicial de sócio na sociedade limitada: requisitos e procedimentos do art. 1.085 do Código Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016, p. 34.
[5] SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedade Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 140.
[6] CRUZ, Diogo Merten. Exclusão extrajudicial de sócio na sociedade limitada: requisitos e procedimentos do art. 1.085 do Código Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016, p. 55.
[7] Apelação Cível nº 1002400-82.2018.8.26.0666, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. São Paulo. 26/05/2022
[8] Apelação Cível 1.0188.13.004088-7/001, 20ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 05/02/2020
[9] Agravo Regimental na Apelação Cível nº 81297-32.2007.8.09.0107 (200790812975), 1ª Câmara Cível, 1º. Turma Julgadora do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 25/02/2014
[10] Apelação Cível nº 1007162-83.2015.8.26.0008, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo. 26/08/2021
[11] Apelação nº 1001371-36.2019.8.26.0189, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo. 6/5/2021.
[12] Apelação nº 1002866-34.2015.8.26.0229, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo. 30/7/2018.
[13] Apelação Cível nº 0735912-52.2017.8.07.0001, 8ª Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 2/9/2020